MALI - O IMPÉRIO DO OURO

 SUMAORO KANTE - O REI FEITICEIRO 

Sumaoro Kante foi um rei Sosoi do clã Kante. Os sosoe tiveram uma hegemonia num espaço curto de tempo, datando de 1180 a 1230. Os Kante iriam se tornar um norte na luta contra a influência do Islã em suas terras, já no final do século XII, estavam empreendendo amplas batalhas contra os muçulmanos.
Com a queda de Kumbih-Saleh, antiga capital do Império de Gana, em 1076 pela mão dos Almorávidas, muitos clãs mandingos e soninkes entraram em guerra civil, e isso causou uma tremenda desestabilização no território que abrangia o Império de Gana. Muitas províncias entrariam em colapso por conta da influência islâmica e a resistência cultural, um dos motivos mais fortes que atraiam os islâmicos eram o comércio que já era estabelecido no território do Império com os povos do Sul, a riqueza em ouro, cobre, metal , sal e outros elementos era de uma fartura gigantesca, e isso atraia cada vez mais os clãs islâmicos, que a partir do século IX já estavam invadindo territórios, em muitos casos de maneira mais econômica do que bélica, e convertendo então povos berberes à religião do islã. Com a queda de Gana, a cidade de Takrur iria ganhar evidência como pólo comercial, e os mandingos eram bons comerciantes e mantinham boas relações com os árabes, mesmo antes da queda de Kumbih-Saleh, nesse contexto, muitos clãs iriam aderir à religião árabe e assim uma ruptura iria surgir entre os mandingos e os sosoe, que tinham o interesse claro em derrubar a influência do islã e tomar posse dos territórios dos soninkes. A capital do reino dos Sosoe tinha o mesmo nome, e em missão empreendida pelo rei Kemoko, a cidade de Kaniaga foi anezada aos sosoe, seu filho, Sumaoro Kante deu prosseguimento às missões de expulsão dos árabes e anexação de territórios. 
O reinado de Sumaoro Kante durou de 1200 a 1235 e representou um grande número de façanhas contra os soninké, Sumaoro avançou contra o Reino Manden dos Malinkas, e segundo fontes orais, teria atacado por nove vezes o reino Manden e por nove vezes teria matado seus reis, além disso, à ele era atribuída um alto grau de uso de magia, o que fizera ganhar o título de feiticeiro. Sumaoro combatia o islã pois entendia que a nova religião iria sufocar o culto aos ancestrais da região do Magreb, mas também a ele era atribuída grande ferocidade em seus ataques, o clã dos Kante era conhecido por exímios trabalhos com o metal, e não seria difícil de imaginar o forte grau de equipamento dos exércitos sosoe. 
Sumaoro Kante teria tido um acordo com o Mansa ( rei ) Dankaran Tuman, que concedeu a própria irmã para casar-se. Nana Triban, a princesa, marcaria então a submissão e vassalagem do Manden ao Sosoe, que ocupara boa parte do outrora Império de Gana. A população Manden iria pressionar o rei Dankaran Tuman para uma ofensiva contra Sumaoro, mas o mesmo prefere se exilar e então o trono passa para o seu irmão, Sundiata Keita, o grande fundador do Império do Mali. Ainda sobre Sumaoro, mesmo com todas as atrocidades contidas nos relatos em torno de seu nome, e nas lendas em torno da feitiçaria, um dos relatos sobre ele é que Sumaoro teria tentado sufocar o comércio de escravos entre os soninke para com o islã e com a conivência do Manden, Sumaoro então teria motivações suficientes para derrubar as províncias aliadas dos Almorávidas e dos árabo-berberes. 

                                     

SUNDIATA KEITA - MARI DIATA, O REI LEÃO 

Sundiata Keita, como citamos, seria o homem que enfrentaria o poderio " pagão " do rei feiticeiro, Sumaoro Kante, que também como vimos, tinha o objetivo de sufocar o tráfico praticado pelos soninke e pelos maninke, boa parte desse comércio de homens e mulheres tinha o aval do Reino Manden, no qual Sumaoro Keita sufocou afim de afogar o comércio com os Almorávidas. Com o exílio de Dankaran Tuman, o povo do Manden procurou Sundiata que se encontrava exilado na cidade de Nema sob a tutela do rei de Nema, o Mansa Tunkara, ou também Nema Farin Tunkara. Lá, Sundiata Keita exerceu um grande papel realizando tarefas para o rei, em sua infância, Keita sofria de paralisia na pernas, e demorou a desenvolver o senso motor de seu corpo, o que fez com que fosse execrado pela própria população em Manden, sua mãe chamada Sogolon Konde fugiu para Nema com Sundiata e seu outro filho Mande Bugari, também conhecido como Abubakar. Quando a população manden exigiu o retorno de seu rei legítimo, o Mansa Tunkara entendeu a situação e concedeu-lhe um apoio militar, o enviando junto com um exército para combater as forças de Sumaoro, esse episódio ficaria conhecido como a Batalha de Kirina. 

                                               

BATALHA DE KIRINA - A UNIÃO DOS CLÃS MANINKA E A DERROCADA DE SUMAORO KANTE, O REI FEITICEIRO ( 1220 +/- 1235 )

A notícia de que Sundiata Keita retornaria com um forte exército de Nema se espalhou, e outros clãs subjugados em cidades dominadas pelos Sosoe se uniram na empreitada, a grande maioria dos líderes eram parentes de Keita. 
Tabon Ghana, o líder dos Kamara, também parente de Sundiata se uniu às forças de Nema, Kamadian Kamara que era da província de Sibi também se uniu e outros chefes militares também citados pelas tradições orais como Siara Kuman Konate, Faoni Konde e Tirimaghan Traore uniram suas tropas à de Sundiata, que agora crescera ao ponto de enfrentar o numeroso exército de Sumaoro, que à essa altura já sabia do que se passara e antes da grande mobilização, ainda enfrentaria o exército de Mansa Kara Noro, um rei que comandava a tribos de Niani, Selefugu e Tigan, oferecera resistência aos avanços de Sumaoro pelo Níger, e também se juntaria ao exército de Sundiata. 
Segundo as tradições também se diz que Sumaoro teve uma traição decorrente de sua arrogância. Se conta que Sumaoro cobiçou a mulher de um de seus chefes militares, Ghana Fakoli, que também era seu sobrinho, com isso, Fakoli em vingança se une às tropas de Sundiata. A irmã de Keita, Nana Triban que fora obrigada a casar com Sumaoro em nome da paz entre os Manden e os Sosoe, consegue fugir e se junta ao imrão, denunciando pontos estratégicos de Sumaoro. Nesse ato, se associa a questão da magia, Nana havia denunciado que Sumaoro tinha armaduras tão resistentes ao ferro quanto a de outras tropas aliadas, e tinha sua proteção provinda de um amuleto natural, vindo das antigas práticas dos povos Sosoe. Seus chefes militares também usavam a magia ancestral para a guerra, o general Diologing, Mansa de Diolof era conhecido como um grande feiticeiro e possuía grandes cavalarias equipadas com soldados em armaduras de ferro, lanças, espadas e outras armas. 
Com o campo pronto para a batalha, que ocorreu em Kirina, um grande combate sangrento se inicia e então Sumaoro é derrotado e as tropas de Sundiata avançam até o território Sosoe, o devastando, Sumaoro desaparece. A Batalha de Kirina remonta quase um enredo cinematográfico, mas dela, se surgiu a garantia da expansão do islã sobre a região do Magreb, sob tutela de Sundiata Keita, que sufocara enfim boa parte dos cultos ancestrais, garantindo a adesão ampla do islã e se tornando um protetor das expedições árabes no norte da África. 

                                         

NASCE UM IMPÉRIO PRÓSPERO 

Sundiata, após a vitória sobre o rival, organizou mais investidas contra outros territórios hostis e que outrora pertenciam ao Império de Gana, além disso, seus generais tomaram conta de outros territórios, formalizando a anexação ao mais novo Império do Mali. Sundiata é tido como um grande governador, a ele é atribuída a grande escalada econômica e a união dos clãs do Mali. 
Sundiata também estabeleceu um modelo de governo que se assemelhava com uma espécie de federação de reinos, onde respeitava as autoridades e costumes tradicionais, porém os mantinha sob controle militar e econômico, além disso, designou dois governadores gerais dividindo o império ao meio, com isso mantinha sua influência militar sob qualquer canto, mostrando sua força para qualquer tipo de sublevação. 
Keita também designou modos de trabalho por clã, garantindo determinadas funções sob hereditariedade, também se cercou de eruditos letrados, o que garantiu bons registros de sua constituição e seus feitos. O império duraria até mais ou menos o século XV-XVI, com mudanças de interesse em rotas econômicas, invasões berberes, invasões songhai e o contato com os portugueses e outros fatores iriam fazer com que um império que vivia do ouro caísse. 

A MORTE DE SUNDIATA KEITA, O NASCIMENTO DE UM LENDA 

Os relatos que envolvem a morte de Sundiata não são exatos, possuem algumas versões, porém, com sua morte surgiram ritos para lembrar seus feitos, e baseado neles e nos contos dos griots, se aceita que Sundiata poderia ter morrido afogado no rio Sankarani e na parte que se chama Sundiata-dun, que significa " água profunda de Sundiata ", a região oferecia riscos naturais como redemoinhos e também é a mais profunda. Nas proximidades deste local, surgiram cultos à sua memória onde cabritos, bois e outros animais são ofertados para lembrar suas conquistas do passado. 
Em 1250 sobe ao trono seu filho Mansa Yerelenku, que reinaria até 1270. Nesse período até 1307 , depois de o Mali  ter passado por momentos de intrigas reais, alguns rompimentos, o sobrinho de Sundiata, Mansa Musa I, conhecido por sua viagem à Meca em 1325 e por ter esbanjado ouro no Cairo e exibido riquezas e luxos, assumiria o trono que duraria até 1332, não sem receber muitas críticas por ter esbanjado todo ouro, fato é que esse episódio fez com que os senhores do hemisfério norte e boa parte do mundo árabe crescesse os olhos sobre o Mali. Na Europa, o Mali se tornaria quase como uma " El Dourado " do Império Inca na África. 

MANSA MUSA I, O HOMEM QUE ESBANJAVA OURO 

Mansa Musa, como já comentado, governou até 1332, e em 1325 ganharia muita atenção com sua viagem à Meca, com uma comitiva contendo, segundo fontes árabes, 60 mil carregadores e 500 servidores com vestes contendo ouro, carregando presentes. A estadia de Musa no Cairo faria com que o ouro perdesse valor de tamanha era a quantidade. Imponente, Musa fazia-se presente por onde passava e na sua fabulosa andança, revelou sobre seus contatos ao Sul do Mali, com os reinos pretos, que os árabes ainda não tinham tanto alcance e os consideravam apenas reinos pretos pagãos. Musa revela sobre grandes quantidades de cobre extraídas em outros reinos e negociadas com o Mali, mas a maior revelação foi a de seu predecessor, e aqui surge um grande hiato na história que recentemente começa a ganhar mais foco: O predecessor de Musa, teria feita uma expedição marítima onde jamais retornara, a tal expedição teria sido para as Américas antes mesmo de os europeus pisarem em terra ameríndias. Segundo relato de Musa revelado no Cairo, ele diz: 

" Pois esse soberano não queria admitir ser impossível chegar à outra extremidade do mar circundante; quis atingi-la e obstinou-se em seu desígnio ".Depois do fracasso de duzentos navios repletos de homens, e outros tantos, abarrotados de ouro, água e víveres suficientes para alguns anos... " 

A expedição de seu predecessor teria contido 2000 navios e jamais retornara para o Mali. De qualquer maneira, as cortes do Mali possuíam eruditos, letrados e grandes sábios, o Mali não era indiferente quanto à navegação e outras técnicas que se desenvolviam simultaneamente em outros lugares do mundo. Musa também ficaria conhecido por ter trazido de volta para o Mali após sua viagem o árabe Ishak al-Tuedjin, arquiteto que ergueu a mesquita de Gao, Musa também ergueu escolas, coletou obras literárias do mundo árabe, além de erguer obras artísticas. 

                                           


MANSA ABU BAKR II - O VIAJANTE 

Mansa Abu Bakr II teria sido o homem que resolveu desbravar os mares. Em sua expedição, poderia ter alcançado o Brasil, tendo sido encontrados vestígios na altura dos Estados da Bahia e Minas Gerais, tais vestígios foram coletados por expedicionários espanhóis, e segundo consta, possivelmente por bandeirantes em meados do século XVII. Escrituras em mandinga em pedras teriam sido encontrados, além disso, descrições de europeus sobre as vestimentas indígenas da região do norte da América do Sul, na altura de Bolívia e Peru, bem como na América Central e também em partes da América do Norte, fazem menção às vestes " mouras " ou dos povos islâmicos africanos. Tais relatos eram tidos como surpreendentes, um dos nomes de peso, Hernan Cortes teria comparado às vestes com " tapeçaria moura ". 
Relatos de pretos vivendo em meio aos indígenas também se tornaram comuns, principalmente vindos da América do Central, onde a etnia dos garífunas poderia descender dos malineses, dividindo costumes comuns aos muçulmanos. 

                                                

CONCLUSÃO 

Por mais que hajam estudos corroborando com a ideia da viagem de Abu Bakr II, ainda há muita controvérsia à respeito, com certeza um campo que continua a ser estudado e trará maiores informações sobre essa expedição africana rumo às américas. Em tempos de outrora o Império do Mali era de fato rico e influente, tendo muito respeito e se tornando um grande centro comercial e erudito através dos esforços de seus líderes, pretos africanos islamizados que transitavam entre os costumes árabes e as antigas religiões dos ancestrais. O Império do Mali foi um dos mais magníficos da história, e hoje é revisitado amplamente por esforços de pesquisadores preocupados com a história da África e do mundo. 


Fontes e indicações: 

O Mali e a Segunda Expansão Manden - Djibril Tamsir Niane, coletado em: História Geral da África - Séc. XII ao XVI - Editor Djibril Tamsir Niane, 1964. Edição 2011 

O Advento do Islã e a ascensão do Império Muçulmano - Mohammad El Fasi e Ivan Hrbek, coletado em: História Geral da África - Séc. VII ao XI - Editor Mohammed El Fasi, 1964. Edição 2011

https://historiaislamica.com.br/abu-bakr-ii-e-a-exploracao-africana-das-americas/ 

Todas as fontes contém embasamento em obras de eruditos como Ibn Batuta, Ibn Khaldun e outros.  









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