OS MANAÓS E O QUIARY
Às margens do Rio Iquiari, ou Quiary, nome dado por indígenas Manaós às águas escuras que banham a região amazônica, viviam uma variedade de sociedades tribais distintas, coexistindo e alimentando suas culturas e até suas rixas, mas que exerciam sua função de seres filhos daquela terra.
A partir de 1541, o rio foi encontrado pelos espanhóis, mais especificamente por Fernando Orellana, e a partir daí, decorrente de suas águas escuras, passaria a ser chamado de Rio Negro, e amplamente usado pelas expedições espanholas para se ter acesso e chegar em suas colônias ao oceano atlântico. A partir do século XVI, outras expedições se aproximariam da região, como as holandesas e as inglesas que passavam a trocar itens com tribos indígenas da região em troca de especiarias, entre as tribos, estava a Manaó.
O rio também era conhecido como Rio do Ouro, e alimentava a busca pela cidade de El Dourado, a lenda de uma cidade que comportava inimagináveis quantidades de ouro se espalhava entre os espanhóis, portugueses e passariam a alimentar a cobiça de holandeses também. Hoje facilmente se relaciona El Dourado às terras de Peru e Bolívia, já que o Império Inca de fato possuía muito ouro e prata, quando o império cai, em meio à famosa guerra civil travada entre os irmãos Huáscar e Atahualpa, e se tornam todas terras dominadas pelos espanhóis e somente para espoliação, a montanha de Potosí, por exemplo, possuía prata e foi sugada até o fim sob suor e sangue inca.
Para além dessas ligações, com o decorrer do tempo e o aumento de expedições por El Dourado, alguns povoamentos passaram a surgir pela extensão do Rio Negro, ou Quiary, e para que esses povoamentos se mantivessem seguros, comunidades indígenas eram obrigadas a se retirar ou aceitar a escravidão, como muitos passariam a aceitar e até a se aliar aos portugueses, atraídos por suas " novidades " e passariam a servir até como guias em busca de novos indígenas para escravização.
O que os portugueses não contavam, e nem seus aliados indígenas, é que uma grande tribo, guerreira, expansionista e que dominavam tribos rivais, de origem aruak, iriam estar no caminho desses povoamentos e causariam muitos problemas para os portugueses, principalmente pela sua associação aos holandeses, essa tribo era a Manaó, que gostava da guerra, da estratégia e da conquista. Eram descritos pelos portugueses como fortes, guerreiros, valentes e numerosos, além da atração pela hegemonia, denotando o caráter expansionista da etnia.
COMÉRCIO PORTUGUÊS AMEAÇADO AO PRAZER DOS HOLANDESES
A partir de 1630, incursões holandesas e inglesas passam a crescer na região dominada pelos Manaós, e em contrapartida, os indígenas comercializavam com os holandeses e os ingleses, sobretudo espólios de guerras, decorrentes do poder hegemônico da etnia na região amazônica, que se estendia até as Guianas, e em troca de armas e mais quinquilharias, entregavam escravos nas mãos dos holandeses.
Em 1621 os holandeses criam a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, onde cravam de vez sua presença na Amazônia, sobretudo nas Guianas, onde passariam a descer sua influência conforme desbravaram, invadindo terras luso-brasileiras. Inicialmente instalaram um entreposto no rio Essequibo, percorrendo da Guiana Holandesa até o Brasil. Tal fato faz com que a coroa portuguesa fique em alerta, já que as negociações com os manaós se tornavam cada vez mais difíceis com o decorrer dos anos, e justamente sua região de domínio era de profundo interesse aos portugueses para proteger suas fronteiras. Os manaós passariam a recusar as trocar comerciais com os portugueses e isso geraria o descontentamento dos mesmos, os indígenas alegavam que os produtos portugueses eram de menor qualidade que os ingleses, mas principalmente os holandeses, nos quais passam a ser colaboradores.
GUERRAS INDÍGENAS, O DOMÍNIO MANAÓ E SUA DERROCADA
A etnia manaó, como já citado, era uma etnia que exercia forte influência na região de cobiça entre portugueses e holandeses. Se no século XVI exerciam livre-comércio com os europeus, no início do XVII essa história mudaria.
Em 1724 o Conselho Político de Essequibo ordena o extermínio dos manaós, muito por conta dos conflitos entre Manaós , Karinya e Akawaio. As duas etnias exerciam um comércio intenso com os holandeses, e eram colaboradores de seus empreendimentos nos territórios dominados pelos neerlandeses, os Manaós subjugam as duas etnias e causam um ferimento grave nos planos holandeses, gerando a raiva dos mesmos.
A partir daí, os manaós foram expostos à caça, e sua cabeça valia ouro, despertando a cobiça de aventureiros e até indígenas inimigos, a caçada se mostra cruel e desperta a indignação e ódio de lideranças manauaras, entre elas, o líder Ajuricaba, que não permitia invasões em suas terras e não tolerava a caçada aos seus. Para agrupar um grande contingente, Ajuricaba monta uma coalizão com chefes de outras nações indígenas que exerciam relações amistosas com os Manaós, e com isso passa a lutar por seu território.
AJURICABA, O SANGUE DE UM LÍDER
A coalizão de Ajuricaba lutava, sob sua liderança, contra a espoliação de seus territórios, contra a ocupação e contra a captura dos indígenas aliados, exercendo táticas de guerrilha contra holandeses de um lado e por conta de seu caráter protecionista e violento, portugueses começaram a enfrentar as resistências manaós.
Conforme a resistência crescia e se popularizava, não só os holandeses foram lesados pelo corte de seu comércio, mas também os portugueses que perderam seu acesso à região. Ajuricaba enfrenta os interesses da coroa portuguesa mas principalmente dos colonos que viviam na amazônia, despertando a ira dos mesmos, já que não conseguiam nem mesmo enfrentar os rivais holandeses, ingleses, espanhóis e até franceses, ou seja, a disputa pelos recursos naturais da amazônia era intensa, e a resistência organizada indígena se torna uma pedra no sapato.
Como a caça ao índio havia sido proibida pelo Conselho das Missões, os colonos pediram um aval pelas " Guerras Justas ", onde assim, poderiam caçar os índios sobre justas causas. Do Conselho das Missões, o pedido foi aceito e o aval expedido, sob acusação de que Ajuricaba, o líder indígena, navegava pelo rio com a bandeira da Holanda hasteada, o que era uma mentira, já que os holandeses também puseram os manaós sob alvo de uma caçada, além disso, denúncias por parte dos colonos portugueses envolvendo o comércio de escravos indígenas e de manufaturas para com os holandeses também seria feito.
Os conflitos entre portugueses e manaós iniciam-se em 1723 até 1727, onde foi empreendida uma operação para derrubada da resistência indígena numa localidade próxima ao encontro das águas do Rio Negro e Rio Amazonas. Na operação, soldados imperiais à mando do, até então governador do Pará, João Maya da Gama, sob execução do capitão João Paes do Amaral, avançam sobre os indígenas e desempenham uma batalha de aniquilação, onde Ajuricaba viu seu filho, Cucunaca, ser morto por soldados portugueses em meio à batalha e além de sua captura, junto com ele, outros caciques foram presos como: Aguaru, Canacury, Cany, Caramery, Daã, Gaau, Juabay, Majury, Manatuba, Manjury e em torno de 200 índios guerreiros que seriam levados para Belém para sofrerem suas sentenças ( Monteiro, 2017 ).
Ajuricaba, depois de capturado e começar a ser conduzido em barcos com seus guerreiros acorrentados, num ato de bravura e em busca de liberdade, se lança ao encontro das águas do Rio Negro e do Amazonas, onde ali, mesmo acorrentado, teria lutado pela sobrevivência, diz-se que alguns de seus guerreiros que o seguiram na arriscada luta e igualmente acorrentados, escaparam e se salvaram em meio às matas. No dia 26 de setembro de 1727, o aviso da morte de Ajuricaba chega à Portugal, onde cordialmente, Dom João V agradece ao governador João Maya da Gama pela operação finalizada e pela lealdade à coroa portuguesa. A partir daí, os colonizadores portugueses teriam mais liberdade para manter seus comércios de quinquilharias e escravos indígenas e africanos pelas regiões de disputa com os holandeses, que posteriormente seriam expulsos do Brasil.
NASCE UMA LENDA
Os índios sobreviventes e as tribos rivais diziam que Ajuricaba fazia parte da natureza agora, e que as águas dos rios não se misturam pois seu espírito de revolta e resistência passou a reinar ali. Sua história passaria a fazer parte dos contos, não só indígenas, mas também portugueses que reconheceram sua bravura, e também loucura, ao lançar-se nas águas, depois de uma árdua luta pela sua terra, depois de ter perdido seu filho, e pela recusa de vender os seus como escravos. Ajuricaba faz parte dessa importante história do Brasil pois conseguiu unir diferentes tribos, formando uma fortificação por toda a extensão do Rio Negro, formando verdadeiras milícias contra os avanços holandeses e portugueses.
Mesmo após sua morte, Ajuricaba continuou ecoando nas vozes dos indígenas. A chamada " Confederação do Rio Negro ", envolvia muitas tribos e lideranças distintas, e uma das que mais resistiu depois da morte de Ajuricaba, foi a tribo dos maiapenas, que sofreu duras investidas portuguesas, já que a meta dos colonos era o controle e quiçá a aniquilação dessa confederação.
Após a queda dos maiapenas, os manaós sobreviventes às Guerras Indígenas do Rio Negro, foram aldeados e controlados pelas forças portuguesas, e anexados em suas terras, perdendo seus domínios e etc. Permaneceram assim até meados de 1757, onde novos levantes insurgentes ocorreriam pela liberdade indígena.
No século XIX, Manaus se tornaria nome da capital do Estado do Amazonas. No Rio Grande do Sul, existe o município de Ajuricaba, que leva esse nome em homenagem ao guerreiro, já que o município fazia parte da Colônia do Ijuí fundada em 1890, com o decorrer do tempo e o crescimento da colônia, ela havia sido dividida em 3 distritos, e o terceiro distrito iria se tornar Ajuricaba já em 1940, em caráter popular, posteriormente, em 1965, sob plebiscito, surgiria a emancipação do município, recebendo então o nome desse grande líder.
É um nome pouco comentado na historiografia, mas com um peso enorme para a formação do que é o Brasil, do que é ser brasileiro e do que, por muito tempo, assolou essas terras.
A bravura de Ajuricaba em negar o comércio escravo e em enfrentar duas nações europeias com táticas de guerrilha com um armamento menor e técnicas consideradas arcaicas, é o símbolo da luta diária do brasileiro, um povo sofrido, espoliado e que duramente ainda ri diante de tantas angústias e afrontas que carrega nas costas desde 1500.
Nós somos Ajuricaba!
Por: Vítor Matheus Gonçalves
Referências e indicações:
https://www.youtube.com/watch?v=fLLwOFsLdGA&t=338s - O Massacre dos Manaós e a Captura de Ajuricaba - Professor Roberto Monteiro
https://www.youtube.com/watch?v=wl3fwYcjUPw - Você conhece Ajuricaba? O indígena brasileiro que preferiu a morte à escravidão - Observatório do 3º Setor
https://www.youtube.com/watch?v=PmCXEcqf1hg - Conheça Ajuricaba, o líder da tribo Manaó - Documentário " Construtores do Brasil ", TV Câmara
https://www.youtube.com/watch?v=OCzT1ZnVQSI - A Tribo dos Manaós - Guerras Indígenas do Século XVIII - História In Loco
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