A ÁFRICA E AS PAUTAS POPULARES – UM OLHAR AFRICANO
O hemisfério sul num todo tem grandes problemas estruturais, se em África seus
povos foram jogados num limbo historiográfico e científico, nas Américas para
além disso, a diáspora ainda carrega elementos racistas intrínsecos em suas
sociedades. Um comportamento de fato condenável e que a única via para sua
eliminação é o seu combate franco, não somente no campo das ideias.
Nossos irmãos de todo canto não surgiram do nada, não estão à mercê ou à
deriva, estão todos no mundo como sempre estiveram desde seus ancestrais. Muito
se falou sobre uma sociedade africana pautada numa espécie de comunalismo e sem
quaisquer noções de classe ou diferenças baseadas no poder de uns sobre os
outros, essa ilusão é uma mentira e nós, enquanto procuramos trazer conteúdos
sérios em relação a nossa história, tanto de África quanto de sua diáspora
sabemos bem que, antes mesmo da chegada dos árabes do Oriente Médio e dos
europeus cristãos, a África vivia o desenvolvimento natural do ser humano como
em qualquer continente. Ora, impérios, reinos e outros tipos de Estados
exerciam suas forças uns sobre os outros, algo totalmente natural haja vista o
contexto dos séculos passados, dissertamos sobre o Império Edo, Império Oyó, os
Reinos de Ndongo, Kongo, para além de outras curiosidades em relação aos mesmos
e suas disputas bem como os desenvolvimentos que todos trouxeram para a África
e sim, para o mundo. Ao mesmo tempo que reivindicamos os conhecimentos
africanos provindos do Egito e sua influência sobre gregos, também
reivindicamos todo o conhecimento herdado de um passado grandioso existente no
chão usurpado de África.
Mas somente isso não é necessário. Já com a influência islâmica desde o século
X, as sociedades africanas foram obrigadas em grande parte a adaptar conceitos
e modos de vida que os povos árabes traziam consigo em suas incursões em solo
africano, principalmente na África do Norte, mas também em Moçambique, com o
intenso comércio que se estabeleceu de expedições árabes e até asiáticas, com a
influência e a troca de uns e outros numa intensa relação que iria desenvolver
gradativamente novos conceitos na vida africana. Já a partir do século XV com a
influência cristã-europeia em solo africano, ocorreria aí um novo choque,
talvez mais forte que o islã em terras de África. Nossos reinos caíram um por
um, nossos conhecimentos foram sufocados e usurpados e nossa gente vendida tal
qual um pedaço de carne é. Nossas vidas são resultados de uma intensa relação
de abusos, mas abusos esses proporcionados em parte pela ganância de líderes
africanos e pretos, por traições, por guerras motivadas por motivos mesquinhos.
Teríamos pretos contra pretos, pretos se aliando a brancos e derrubando seus
próprios irmãos.
A África foi colonizada, e desde então, uma intensa luta por sua liberdade foi
empregada, desde os séculos passados até hoje. Nas décadas de 50’ eclodiram
guerras, nas de 60’ também e nas de 70’ não foi diferente, e com isso tivemos
um amplo movimento de independência dos países. Mas o que motivou a união de
diferentes etnias para uma luta em comum pela independência? E aqui iremos
ressaltar 3 motivos principais: Pan-africanismo, Nacionalismo e Socialismo.
O pan-africanismo se mostrou como uma via sadia e preferível para nossos
líderes revolucionários de África, além disso, tinham visões diferentes todos
eles mas que se uniram em prol do bem do povo africano. Talvez Leopold Senghor
não concordasse em alguns aspectos com Kwame Nkrumah, que por sua vez admirava
os ideais de Julius Nyerere iriam trazer pontos pertinentes para a luta africana
e todos pautados no materialismo dialético. Se Nyerere propusera a Ujamaa,
baseado em princípios socialistas, Nkrumah iria contestar o colega na questão
que diz respeito ao desenvolvimento. Como observa Senghor, a África absorveu
conceitos e modos dos Árabes e da Europa, a troca foi impossível de não
acontecer e Senghor defendia que o africano por si só absorvia o ambiente, ou
seja, por ser no seu cerne, se baseava numa troca cultural do que numa
imposição, algo que não foi respeitado pelo islã, tampouco pelos europeus. A
partir daí, Nkrumah iria dizer que por absorver modos da Europa e do Islã, o “
socialismo africano “, sugerido por Senghor, não poderia ser empregado no
sentido de recuperar uma noção de uma sociedade baseada no humanismo e
comunalismo, apesar de o socialismo trazer elementos de ambos os conceitos. Mas
a principal ruptura entre ambos seria na questão que envolve o neocolonialismo,
ou seja, Senghor admitia uma aproximação com os colonizadores, enquanto Nkrumah
via o rompimento total e se preocupava em levantar uma união africana
anti-imperialista e contrária a atuação colonial, além disso, assim como
Nyerere, Nkrumah tinha um ímpeto nacionalista e que caminhava junto com seus
ideais pan-africanistas, afinal de contas, uma coisa leva a outra. Nyerere se
importava com o desenvolvimento social mútuo e por conseguinte, imaginava uma
sociedade que buscava elementos do passado, mas que caminharia junto com o
desenvolvimento e com o trabalho. Para causar a sensação do pertencimento e
inflar o ímpeto revolucionário, Nyerere se baseou no socialismo sim, mas assim
como todos que usaram do materialismo para adaptar, Nyerere inflou o
nacionalismo na Tanzânia sendo um líder justo para os seus e preocupado com a
identidade nacional. Usou a língua local como oficial, o swahili, e o Chama Cha
Mapinduzi ( Partido da Revolução ) se tornou o norte para um ímpeto de um novo
modelo de sociedade baseado em aspectos culturais do passado, rompendo nesse
aspecto, bem como Senghor, com parte do ideal Marxista. Nkrumah , nesse
sentido, questiona o “ socialismo africano ” dizendo: “ A saída não é,
certamente, regurgitar todas as influências islâmicas e euro-coloniais em uma
tentativa fútil de recriar um passado que não pode ser ressuscitado. A saída é
só para frente, para uma forma mais elevada de reconciliada de sociedade, na
qual a quintessência dos propósitos humanos da sociedade tradicional africana
reafirmem-se em um moderno contexto progressivo, em suma, rumo ao socialismo,
por meio de políticas que sejam cientificamente concebidas e corretamente
aplicadas” (1967). Muammar Al-Qadafi
ainda iria propor um modelo socialista para a Líbia, no sentido de propor teses
em prol de condições sociais igualmente proporcionais para a população, em
questões como habitação, educação e saúde, Qadafi defendia o amplo acesso e a
distribuição justa para a manutenção desses fatores em prol do desenvolvimento
social e sobretudo nacional ( outra vez o elemento nacionalista evidente ),
além disso, se distanciando da ideologia puramente marxista, Qadafi vai propor
a religião como um determinante de identificação da nação (1975), aqui
confluindo um pouco com o teor lúdico que Senghor carregava em suas obras
sugerindo a rebuscada da cultura da essência da África, incluindo o caráter
religioso. Samora Machel iria romper com essa ideia e sugerir um socialismo
pautado no desenvolvimentismo nacional, no trabalho e na distribuição justa na
manutenção dos bens de Moçambique, muito aproximado com o ideal de Amílcar
Cabral, bem como Agostinho Neto. Não atoa ambos iriam se apoiar nas lutas pela
emancipação.
Thomas Sankara, um dos líderes que bem ganhando espaço na diáspora, bem como
marcou a África, também se usou de elementos marxistas em sua aplicação
política bem como comitês populares e sua leitura de democracia, assim como ele
próprio se assumia marxista (1987). Frantz Fanon, mesmo admitindo o socialismo
como uma via para a África, não deixou de tecer ácidas críticas às elites
autóctones, bem como críticas pesadas aos partidos democratas, progressistas e
sobretudo comunistas da França quando repreendiam, num suspiro racista e
hegemônica, a luta de libertação da Argélia. Ainda podemos citar as
experiências da República Popular do Benin sob o comando de Mathieu Kérékou, que
nacionalizou o petróleo e os bancos de Benin, e em 1972 após o golpe
revolucionário militar, assumiu o marxismo-leninismo na condução do país que
chegou a se estabilizar por algum período, mas que já não teria sucesso após o
rompimento do ocidente com o caráter de seu governo, que tornou o Benin mais
isolado economicamente. No Mali, Modibo Keita também exerceu sua visão em torno
do socialismo, político engajado nas causas africanas, Keita articulou planos
com Nkrumah e Sekou Touré que era presidente da Guiné, enquanto presidia a
Federação do Mali, mantendo planos de cooperação com Senegal, Burkina Faso (
Alto Volta no período ) e Daomé ( Benin ).
Tantos nomes de peso para a História recente do continente africano que
remeteram seus olhares a um certo tipo de ímpeto ideológico e que tiveram uma
leitura inteligente de suas realidades e dos contextos de África que não se
pode simplesmente negar o quão a visão africana adaptou certos pontos de uma
ideologia que chegou transportada de pouco a pouco para a África. Aqui
ressaltamos que em África, o ímpeto pan-africano, o umoja já era entendido e
absorvido pelos intelectuais e políticos africanos, de pouco a pouco foi sendo
sintetizado de maneira a que melhor se encaixou ao contexto dos países recém
independentes ou dos países em conflito buscando sua independência. A
cooperação e a sintetização da história africana, com peso o nome de Cheikh
Anta Diop, e de modelos políticos que mais se adequassem ao pan-africanismo se
tornaram fundamentais para que a emancipação e a união se concretizassem. Infelizmente
por sucessões de golpes e interesses internos, a instabilidade assolou muitos
países e derrubou grandes projetos, ideais e assassinou líderes exemplares.
Conclusão
Em África e na diáspora os elementos que nos fizeram ser o que somos hoje são
muitos, vem de todos os lados e nossas sociedades foram os assimilando com o
passar do tempo. É impossível separar o materialismo para entendermos nossa
realidade. Neste pequeno texto, queremos trazer a influência clara de um
pensamento que, sim, é de origem europeia, mas que ganhou uma adaptação
louvável por parte de tantos líderes que encabeçaram a luta pela libertação da
África e trouxeram uma nova visão e interpretação sobre o imperialismo ( que
jamais cessou, diga-se de passagem ). Interpretações essas que nos é útil
enquanto sujeitos pensantes e reconhecedores das angústias de nossos povos.
Nesse texto, percebemos que as visões sempre foram variadas, mesmo que
dividindo um mesmo lado e um objetivo comum, mas nem por isso foram menos
úteis, pelo contrário, se complementam e são nelas que nos apoiamos.
UBUNTU!
Fontes e Indicações:
Luta de Classes na África – Kwame Nkrumah, 1967
Neocolonialismo: Último Estágio do Imperialismo – Kwame
Nkrumah, 1965
Socialismo Africano – Leopold Senghor, 1959
Em Defesa da Revolução Africana – Frantz Fanon, Editora
Ciências Revolucionárias, 2018. Textos coletados do jornal Présence Africaine e
El Moudjabid
Jornal Granma, Entrevista com Thomas Sankara, 1987. Coletado
em Revolução Africana: Uma Antologia do Pensamento Marxista, 2020
O Livro Verde de Muammar Al Qadafi – Qadafi, 1975
Revolução Africana: Uma Antologia do Pensamento Marxista –
Editora Autonomia Literária, 2020
https://afreekasite.files.wordpress.com/2017/12/neocolonialismo-kwame-nkrumah-ilovepdf-compressed-1.pdf
- Neocolonialismo: Último Estágio do Imperialismo, disponível em PDF.
http://funag.gov.br/biblioteca/download/745_Livro-na-rua-Tanzania.pdf
- Coleção Países: O Livro na Rua – Biblioteca do Cidadão. Projeto brasileiro da
FUNAG ( Fundação Alexandre Gusmão ). Editora Thesaurus, 2011
https://www.britannica.com/biography/Mathieu-Kerekou
- Breve biografia em inglês
http://www.thepresidency.gov.za/national-orders/recipient/modibo-keita-1915-1977
- Breve biografia em inglês
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